Tempo de Jogo:
1844 minutos
Um jogo inacabado, mas completo em diversão
Desenvolvido pelo estúdio Ion Storm Inc, também responsável pelos mais famosos Deus Ex e Deus Ex: Invisible War, Anachronox é um RPG com combate por turnos. Sua história linear, o estilo de progressão dos personagens e as mecânicas inspiradas em Chrono Trigger e Final Fantasy, fazem com que seja um dos poucos “RPGs pra console” (JRPG) lançados exclusivamente para computador pela indústria profissional, principalmente em 2003, época de seu lançamento pela Eidos Interactive. Apesar da crítica haver aclamado o jogo e sua ambientação cyberpunk noir espacial, com uma trama recheada de comédia, o estúdio dos desenvolvedores fechou um mês após a estreia do jogo, fazendo com que as expansões que conteriam mais da metade da história começada em Anachronox, jamais chegassem às prateleiras.
Muito se diz com a constatação de que Anachronox é um RPG de console. O estilo de jogo, a estrutura de narrativa estão dentro do grupo de jogos como Final Fantasy ou Breath of Fire. Não é como Mass Effect ou Dragon Age, por exemplo, onde há uma liberdade de se criar um personagem, existem decisões a ser tomadas na história e o combate segue um estilo puxado para o action. Não, Anachronox, mesmo sendo um jogo de Pc, onde tal estilo não teve muita abrangência no passado, usa as fórmulas que tiveram seu ápice na era do Super Nintendo. Uma história completamente linear, com um protagonista definido e o famoso combate por turnos, que ainda hoje é um pouco ignorado – para não dizer desprezado – em jogos profissionais feitos para computador.
O problema não é que os combates de Anachronox não tragam nada de novo. O problema é que, mesmo para os mais saudosistas, o combate do jogo simplesmente não funciona como deveria. Cada personagem no jogo tem as possibilidades de atacar, usar itens, se mover, usar habilidades e usar magias. A possibilidade de se mover, apesar de ser uma pequena adição ao combate simples por turno, não traz nada de divertido. É apenas chato.
O mapa é dividido em alguns pontos em que um personagem pode estar. Movimentando-se, pode-se colocar em uma posição em que alguns inimigos não poderão atacar ou ativar alguma coisa no cenário a depender da situação. Contudo, a mecânica se torna apenas um contra-tempo. Durante o jogo todo, só em apenas um ou dois combates ela pode ser usada de forma estratégica e mesmo assim, acaba sendo sem graça. O único efeito que traz para o jogo é fazer os personagens perderem tempo tendo que realizar uma ação de movimento. Não é divertido.
Em relação às outras ações que podem ser utilizadas pelos personagens, também há alguns problemas. Os ataques normais tem animações muito demoradas, o que faz com que lutas simples acabem sendo enfadonhas, as habilidades dos personagens em geral não são muito criativas e só valem a pena se causarem dano. E as “magias” que se pode utilizar não são muito variadas. São “elementos” diferentes e costumam causar efeitos negativos diferentes, mas no fim das contas só servem para dar dano mesmo, sem contar na maior parte do jogo, os personagens só podem ter um tipo de magia cada. Tudo isso leva aos combates serem extremamente repetitivos.
Imagem
Se os combates não conseguem cativar. O mesmo não acontece com os gráficos. Feito usando a Unreal Engine 2, para a sua data de lançamento, o aspecto do jogo não era ruim. Para falar a verdade, o tratamento do cenário era até mesmo muito bom. Já na época ele tinha um ar retrô. Não tinha a capacidade gráfica dos jogos de Ps2 ou Game Cube lançados na época, mas dificilmente causaria estranheza.
Jogado hoje em dia, é possível que esses gráficos não sejam bem aceitos por jogadores mais novos, ou por aqueles mais ligados nesse tipo de coisa. Mas para os amantes do JRPG, é uma boa viagem ao passado. O jogo não é pixelado, como as obras primas do Super Nintendo, mas tem aquele aspecto “quadradão” que aparecia em alguns jogos do Playstation 1. Um estilo que não é e nem tenta ser hyper-realista, e que funciona muito bem para a proposta. Claro que os personagens não têm a quantidade de detalhes que hoje em dia se utiliza para os jogos, mas em seus designs mais simples, conseguem ser muito expressivos. Mesmo em cenas onde não tem diálogo algum.
Enquanto os personagens tem gráficos mais “quadrados”, o cenário do jogo é realmente bem detalhado. E aqui não se trata exatamente de qualidade gráfica, mas de informação. A cidade Anachronox é uma coletânea de construções, elevadores, áreas elevadas, luzes de neon, placas, veículos e inúmeros npcs. Como uma verdadeira cidade cyberpunk, o planeta-cidade passa toda a sensação de um grande centro urbano com diversas coisas acontecendo e diversas coisas para ver. Os alienígenas e humanos cobertos de melhoramentos cybernéticos completam a composição.
Imagem
Mas claro que nada disso importa verdadeiramente em um JRPG. Ou pelo menos, nem de longe é tão importante quanto a história. E é nesse ponto que Anacrhonox mostra que é um jogo sensacional.
A história começa com o protagonista Silvester “Sly” Boots sendo arremessado da janela de seu escritório porque está devendo a um chefão do crime que controla o planeta-cidade de Anachronox. Precisando desesperadamente de trabalho, o detetive particular acaba encontrando Grumpos Matavastros, um velho cientista (muito velho, na verdade) que estuda artefatos antigos e de função desconhecida conhecidos como Mystech. A partir daí, Boots acaba indo de um lado para o outro da galáxia procurando por informações sobre o Mystech, acabando por descobrir uma trama que envolve o passado, o futuro e a destruição do universo presente.
É uma trama simples, na verdade. O grande mal que pretende destruir a existência não é algo muito novo. Mas são os pequenos detalhes desta história que a tornam fenomenal. O mundo (ou o universo) de Anachronox é muito detalhado, cheio de particularidades e extremamente divertidas. Nada é sagrado. Mesmo os personagens que aparentam ser sérios tem o seu momento de ridículo em um humor irreverente. Paródias e sátiras aparecem ocasionalmente, inseridas muito bem na ambientação, evocando o seu original. O mundo de Krapton, com seus súper-heróis, os stormtroopers incompetentes, os ewooks irritantes... Cada diálogo e situação contribui para criar esse cenário que não se importa em fazer graça de si mesmo...
O que não significa que o jogo não se leva a sério. A trama é bem estruturada e as explicações tão boas quanto qualquer space opera que não busca um rigor à lá Aasimov. As peças do roteiro vão se encaixando lentamente, mas trazem a compreensão da situação em que os personagens estão imersos, do perigo que enfrentam e da própria natureza de Anachronox e do Mystech. Há crescimento no protagonista e seus amigos. E o grupo desconjuntado que no início só tinha interesses egoístas, acaba se lançando de vez numa missão louca para salvar o mundo.
E que grupo de personagens Anachronox traz! Carismáticos e vivos, Boots e seus amigos conseguem mesmo roubar o show. Não importa os combates, não importa Anachronox e até mesmo o universo em perigo. As interações entre os protagonistas já seria o suficiente para fazer o jogo valer a pena. Mas junto à trama que começa como uma sucessão de acontecimentos absurdos, que próximo ao final do jogo vão cedendo lugar a temas mais sérios, faz com que Anachronox se torne um épico especial que merece ser jogado.
Ainda que esteja incompleto e esteja longe de ser perfeito, diverte do início ao fim. Apesar de ter sistemas que realmente não funcionam bem, as partes boas de Anachronox são tão boas que ele merece a nota que ganhou. Quem termina, fica com esperanças de que os produtores realmente consigam dar continuidade.
Nota 8
👍 : 18 |
😃 : 0