Tempo de Jogo:
134 minutos
[h1]The Beginner’s Guide. Um Espelho quebrado da criação e do vazio[/h1]
[h2]1. A experiência da quebra de expectativa, um jogo que não é um jogo[/h2]
The Beginner’s Guide não é, em sua essência, um jogo no sentido tradicional, não há objetivos claros, não há vitória ou derrota, não há mecânicas que exijam maestria, há, em vez disso, um passeio, um trajeto conduzido pela voz de Davey Wreden, criador de The Stanley Parable, que nos guia através de fragmentos de jogos inconclusos de um suposto designer chamado Coda.
Desde o início, a sensação é de voyeurismo, você está vendo algo que não deveria, explorando não mundos criados para entreter, mas pedaços de alma, de frustração, de solidão, é um convite desconfortável, você não joga, você invade, é, ao mesmo tempo, um memorial e um confessionário, uma viagem pela mente não de um gênio, mas de um ser humano despedaçado pela própria incapacidade de existir em um mundo de expectativas.
[h2]2. O criador invisível, Coda e o peso do silêncio[/h2]
Coda, o designer fictício ou real (não importa), nunca aparece, só vemos seus mundos inacabados, suas ideias cruas, suas portas trancadas e corredores sem saída, Coda é ausência, e esta ausência pesa mais do que qualquer personagem.
Cada ambiente fala em silêncio, torres sem escadas, jaulas, loops sem fim, portas que não levam a lugar algum, são manifestações viscerais da mente de alguém para quem criar não é prazer, mas dor, isolamento, compulsão, um grito contido, Coda nos desafia sem dizer uma palavra, ele nos coloca diante da pergunta mais incômoda, por que criamos? E para quem?
[h2]3. Davey Wreden, o narrador não confiável[/h2]
O narrador, Davey, é a única voz real que ouvimos, mas logo percebemos, sua narrativa não é neutra, ele interpreta, reconstrói, distorce, tenta dar sentido ao que talvez não tenha sentido, tenta encontrar mensagens onde pode haver apenas ruído, Davey busca em Coda algo que ele mesmo perdeu, validação, inspiração, sentido e ao tentar mostrar esses jogos ao mundo, ele trai, quebra, expõe.
É aqui que The Beginner’s Guide se transforma, o verdadeiro jogo não está nas fases que exploramos, mas no embate entre o criador (Coda) e o invasor (Davey), entre autenticidade e apropriação, entre o silêncio e a necessidade desesperada de ser compreendido.
[h2]4. Metáforas visuais, portas, labirintos e o fim que nunca chega[/h2]
Cada espaço criado por Coda é um símbolo, as portas que não abrem, limites pessoais, barreiras emocionais, bloqueios criativos, os loops infinitos, a sensação de repetição, de progresso falso, de estar sempre voltando ao ponto de partida, a prisão onde o único escape é esperar, o aprisionamento da mente depressiva, a rendição ao tédio ou ao desespero.
Esses ambientes não são desafios lógicos ou físicos, são estados de espírito, descrever as “fases” de The Beginner’s Guide como níveis seria trair o próprio jogo, são, antes, poemas em forma de espaço.
[h2]5. A filosofia da criação, por que criamos?[/h2]
No centro de The Beginner’s Guide está uma pergunta devastadora, “Por que criamos?”, Criamos para ser amados? Para ser entendidos? Para escapar? Para sobreviver? Para Coda, criar parece ser uma compulsão triste, não há alegria, só necessidade, ele não quer ser interpretado, não quer ser exposto, para Davey, criar é uma busca desesperada por sentido, por contato humano, por validação, a tragédia é que ambos falham e nós, jogadores, nos tornamos cúmplices dessa falha.
[h2]6. A solidão digital, o jogador como invasor[/h2]
É impossível jogar The Beginner’s Guide sem sentir que estamos em um espaço que não nos pertence, há desconforto, há vergonha, estamos mexendo em diários íntimos sem permissão, estamos vendo a dor de alguém através da lente de outro, a frase “este jogo não é para você” ecoa até depois dos créditos, nos lembra que nem toda criação precisa ser compartilhada, nem todo silêncio precisa ser quebrado.
[h2]7. O absurdo camusiano, entre o vazio e o significado[/h2]
Há algo de Camus em The Beginner’s Guide, a luta contra um universo indiferente, a busca por sentido onde talvez não exista nenhum, Coda cria e se aprisiona, Davey observa e destrói, Nós jogamos e questionamos, no fim, ninguém vence, não há sentido último, só resta o ato de continuar ou desistir.
[b]❝O absurdo nasce desse confronto entre o apelo humano e o silêncio irracional do mundo.❞[/b] — Albert Camus
[h2]8. Davey Wreden e o fardo de ter criado algo grande demais[/h2]
Há um fantasma pairando por trás de cada passo em The Beginner’s Guidem o fantasma de The Stanley Parable, Davey Wreden, criador de um dos jogos mais aclamados e influentes da cena indie, carrega não apenas o orgulho dessa obra, mas também o peso.
Criar algo grande, algo que tocou milhões, que gerou análises, fãs, significado, pode ser um presente envenenado, Porque o que vem depois? Como se cria algo novo quando o mundo inteiro te espera na porta, querendo mais do mesmo ou algo ainda maior?
The Beginner’s Guide é, de certa forma, a confissão de quem ficou paralisado pelo próprio sucesso, Davey não tenta recriar Stanley Parable, ele não tenta superar, ele quebra o jogo antes que o jogo o quebre, em vez de entregar uma nova narrativa divertida ou metalinguística, ele nos dá um lamento, o retrato de alguém que perdeu a capacidade de criar com liberdade, justamente porque seu primeiro voo foi alto demais.
Essa frustração ecoa em cada fala do narrador, em cada interpretação forçada dos jogos de Coda, Davey não está apenas tentando entender o outro, ele está tentando entender a si mesmo, como seguir em frente quando o primeiro passo foi longe demais?
É o dilema de muitos artistas, a glória inicial se transforma em prisão, e a maior prisão de todas é não conseguir mais criar algo que te mova, que te liberte.
No fundo, The Beginner’s Guide não é só sobre Coda, é sobre Davey, é sobre todo criador que, um dia, teme ter deixado sua última ideia significativa para trás.
[b]❝O peso de ter criado algo grandioso é descobrir que nenhum próximo passo parece real.❞[/b]
[h2]Conclusão[/h2]
The Beginner’s Guide pode não ser sobre Coda, pode não ser sobre Davey, mas sim sobre você, sobre o que você vê quando olha para a arte de outro, sobre o que significa expor ou consumir algo que nasceu no silêncio da mente de alguém, sobre como a necessidade de significado pode nos levar a trair aqueles que mais tentamos entender, é um jogo sobre portas que não se abrem, sobre palavras que não são ditas e sobre o vazio que todos carregamos e que, talvez, nem o ato de criar consiga preencher.
[b]No final, não há respostas e talvez isso seja a única resposta possível.[/b]
[b]Turn back
Turn back from this cave
You said, "Let me prove that I'm brave
Let me keep going"
But the cave goes for miles
And miles and miles
And you're so tired
But I know that you're strong
So turn back
Turn back[/b] - Ryan Roth, trilha final do game
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